Estava eu em um dia ordinário, entre coisas ordinárias.
Ele aparece e eu nem sei de onde veio.
Disse: "Olá", e disse como se já me conhecesse, intimista demais, eu achei.
Eu respondi, não no mesmo tom, a mesma coisa: "Olá"!
Embora a gente tenha cumprido aquele "script" de pessoas que acabam de se topar: "o que você faz", "do que você gosta", "que música ouve", eu pude perceber entre respostas e jeito de perguntar que não se tratava de alguém ordinário e comum, como vinha sendo aquele dia até então.
E então a curiosidade substituiu a mera polidez e passou a motivar a conversa...nos falamos por duas horas, talvez. Ele precisava estudar e eu precisava nem me lembro o quê, mas precisava fazer alguma coisa.
Deixei meu número de telefone com ele, juntamente com o "combinado" de tomarmos um café ou um vinho (ele não gosta de cerveja) no final de semana seguinte.
Veio a segunda-feira com todos os aborrecimentos que todo início de semana me trazia àquela época...o mau humor, a frustração por estar em um trabalho que não me agregava nada além de um salário que estava um tanto longe do que eu acreditava merecer.
No meio da semana uma novidade que eu até consegui achar boa naquele contexto: uma licença médica. O corpo gritando por socorro em nome da mente surrada, em frangalhos.
Pifei!
Ufa!Ao chegar o fim de semana, eu só queria ficar em casa, com a paisagem nublada e chuvosa do outro lado da janela, meus livros, meus filmes e a desordem dos meus pensamentos.
Eis que o telefone toca: e eu torci tanto pra que ele simplesmente tivesse deixado essa idéia de café pra lá.
Não deixou! Eu apresentei a escusa do meu estado de saúde...ele não se demonstrou muito convencido..eu já tive um poder de dissuasão maior.
Protelado o encontro em dois dias..
Domingo. Fim de licença médica. Chuva. Vento frio. Aqueles dias meio loucos de setembro último.
Me encontrei com ele nos primeiros minutos da noite.
Tem ascendência árabe, tenho certeza. Olhos escuros muito expressivos, sobrancelhas grossas.
Boca pequena..Deus, como eu gosto de bocas como a dele.
Perfumado, divertido, inteligente, bem vestido.
E a juventude dele, que me causou tanta preguiça em um primeiro momento, me parecia tão encantadora..tão jovem e com o espírito aparentemente tão antigo.
Enquanto ele falava comigo, os olhos árabes dele cresciam e brilhavam ainda mais e eu ia me perdendo lá por dentro daquela escuridão...os olhos dele tomavam todo o espaço que existia.
E lá dentro estou, desde então, desde aquela noite estranha de setembro, tentando achar a saída.....